Golpe ou proclamação?
Por ora, a cor do governo é puramente militar e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu àquilo tudo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada! (Aristides Lobo, Diário Popular, 18/11/1889).
É possível considerar a legitimidade ou não da república no Brasil por diferentes ângulos.
Do ponto de vista do "Código Criminal do Império do Brasil", sancionado em 16 de dezembro de 1830, o crime cometido pelos republicanos foi:
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"Art. 87. Tentar diretamente, e por fatos, destronizar o Imperador; privá-lo em todo, ou em parte da sua autoridade constitucional; ou alterar a ordem legítima da sucessão. Penas de prisão com trabalho por cinco a quinze anos. Se o crime se consumar: Penas de prisão perpétua com trabalho no grau máximo; prisão com trabalho por vinte anos no médio; e por dez anos no mínimo."
O Visconde de Ouro Preto, deposto em 15 de novembro, entendia que a proclamação da república fora um erro e que o Segundo Reinado tinha sido bom, e, assim se expressou em seu livro "Advento da ditadura militar no Brasil":
" O Império não foi a ruína. Foi a conservação e o progresso. Durante meio século manteve íntegro, tranquilo e unido território colossal. O império converteu um país atrasado e pouco populoso em grande e forte nacionalidade, primeira potência sul-americana, considerada e respeitada em todo o mundo civilizado. Aos esforços do Império, principalmente, devem três povos vizinhos deveram o desaparecimento do despotismo mais cruel e aviltante. O Império aboliu de fato a pena de morte, extinguiu a escravidão, deu ao Brasil glórias imorredouras, paz interna, ordem, segurança e, mas que tudo, liberdade individual como não houve jamais em país algum. Quais as faltas ou crimes de D. Pedro II, que em quase cinquenta anos de reinado nunca perseguiu ninguém, nunca se lembrou de uma ingratidão, nunca vingou uma injúria, pronto sempre a perdoar, esquecer e beneficiar? Quais os erros praticados que o tornou merecedor da deposição e exílio quando, velho e enfermo, mais devia contar com o respeito e a veneração de seus concidadãos? A República brasileira, como foi proclamada, é uma obra de iniquidade. A República se levantou sobre os broqueis da soldadesca amotinada, vem de uma origem criminosa, realizou-se por meio de um atentado sem precedentes na História e terá uma existência efêmera!"
O movimento de 15 de Novembro de 1889 não foi o primeiro a buscar a República, embora tenha sido o único efetivamente bem-sucedido, e, segundo algumas versões, teria contado com apoio tanto das elites nacionais e regionais quanto da população de um modo geral:
• Em 1788-1789, a Inconfidência Mineira e Tiradentes não buscavam apenas a independência, mas também, a proclamação de uma república, seguida de uma série de reformas políticas, econômicas e sociais;
• Em 1824, diversos estados do Nordeste criaram um movimento independentista, dentre elas a Confederação do Equador, igualmente republicana;
• Em 1839, na esteira da Revolução Farroupilha, proclamaram-se a República Rio-grandense e a República Juliana, respectivamente no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
Embora se argumente que não houve participação popular no movimento que terminou com o regime monárquico e implantou a república, o fato é que também não houve manifestações populares de apoio à monarquia, ao imperador ou de repúdio ao novo regime.
Em relação à ausência de participação popular no movimento de 15 de novembro, um documento que teve grande repercussão foi o artigo de Aristides Lobo, que fora testemunha ocular da proclamação da República, no Diário Popular de São Paulo, em 18 de novembro, no qual dizia:
"Por ora, a cor do governo é puramente militar e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu àquilo tudo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada!"
Na reunião na casa de Deodoro, na noite de 15 de novembro de 1889, foi decidido que se faria um referendo popular, para que o povo brasileiro aprovasse ou não, por meio do voto, a república. Porém esse plebiscito só ocorreu 104 anos depois, determinado pelo artigo 2º do Ato das disposições constitucionais transitórias da Constituição de 1988, no dia 21 de abril de 1993. Nesse plebiscito a opção "república" obteve 86% dos votos válidos.
Na reunião na casa de Deodoro, na noite de 15 de novembro de 1889, foi decidido que se faria um referendo popular, para que o povo brasileiro aprovasse ou não, por meio do voto, a república. Porém esse plebiscito só ocorreu 104 anos depois, determinado pelo artigo 2º do Ato das disposições constitucionais transitórias da Constituição de 1988, no dia 21 de abril de 1993. Nesse plebiscito a opção "república" obteve 86% dos votos válidos.
A própria forma pela qual em geral nos referimos aos eventos ocorridos em 15 de novembro de 1889 - a "Proclamação da República" - já incorpora algumas idéias importantes. Em primeiro lugar, a de que ocorreu uma "proclamação". Mas o que é "proclamar"? É apenas anunciar publicamente algo - no caso, que a Monarquia fora substituída pela República. Logo surgem outras idéias, como a de que a República no Brasil teria sido algo inevitável, uma etapa necessária da "evolução" da sociedade brasileira. Mais ainda, podemos imaginar que o fácil sucesso do golpe de Estado - que, tecnicamente, foi o que aconteceu no 15 de Novembro- seria resultado de um consenso nacional, e que os militares, os principais protagonistas do movimento, teriam atuado de forma unida e coesa.
Não é essa a visão que hoje podemos ter desses fatos. Não havia uma maioria republicana no país e nem mesmo unidade entre os militares. De fato, apenas uma pequena fração do Exército, e com características muito específicas, esteve envolvida na conspiração republicana.
O golpe de 1889 foi um momento-chave no surgimento dos militares como protagonistas no cenário político brasileiro. A República então "proclamada" sempre esteve, em alguma medida, marcada por esse sinal de nascença (ou, para muitos, pecado original). Havia muitos republicanos civis no final do Império, mas eles estiveram praticamente ausentes da conspiração. O golpe republicano foi sem dúvida militar, em sua organização e execução. No entanto, ele foi fruto da ação de apenas alguns militares. Quase não houve participação da Marinha, nem de indivíduos situados na base da hierarquia militar (as "praças", como os soldados ou sargentos). Mas isso não significa que o movimento foi promovido por oficiais situados no topo da hierarquia. Dos generais, apenas Deodoro da Fonseca esteve presente. Os oficiais superiores podiam ser contados nos dedos, e o que mais se destacou entre eles não exercia posição de comando de tropa: trata-se do tenente-coronel Benjamin Constant, professor de matemática na Escola Militar.
Quem foram, então, os militares que conspiraram pela República e se dirigiram ao Campo de Santana na manhã do dia 15 de novembro de 1889 dispostos a derrubar o Império? Basicamente, um conjunto de oficiais de patentes inferiores do Exército (alferes-alunos, tenentes e capitães) que possuíam educação superior ou "científica" obtida durante o curso da Escola Militar, então localizada na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Na linguagem da época, a "mocidade militar".
Essa versão dos acontecimentos difere em alguns pontos importantes das opiniões disponíveis nos livros de história. Em alguns desses relatos, Deodoro aparece unindo simbolicamente todo o Exército; em outros, representando apenas os oficiais mais ligados à tropa, que eram chamados de "tarimbeiros", geralmente não tinham estudos superiores e constituíam a maior parte da oficialidade. Minha visão de Deodoro é a de um chefe militar levado ao confronto com o governo motivado pelo que imaginava ser a defesa da "honra" do Exército e por algumas particularidades da política do Rio Grande do Sul, que havia chefiado pouco tempo antes. Foi somente nas vésperas do golpe que se reuniu em torno dele um grupo muito pequeno de oficiais de patentes médias.
Todas as fontes disponíveis sobre o 15 de Novembro destacam a liderança que Benjamin Constant exercia sobre a "mocidade militar" formada na Escola Militar da Praia Vermelha, por ter sido durante muitos anos seu professor de matemática. Ele seria o "mestre", "líder", "catequizador" ou "apóstolo" desses militares. Para vários autores, principalmente os vinculados à tradição positivista, Benjamin Constant e seus jovens liderados teriam sido o principal elemento na conspiração. Minha perspectiva, no entanto, focaliza não o "líder" ou "mestre", mas seus pretensos "liderados" ou "discípulos". Quando examinamos com atenção as fontes documentais disponíveis, ao invés de assistirmos a Benjamin Constant catequizando os jovens da Escola Militar, encontramos justamente a "mocidade militar" seduzido-o e convertendo-o ao ideal republicano. Atribuo à "mocidade militar", portanto, o papel de principal protagonista da conspiração republicana no interior do Exército.
Formados pela Escola Militar da Praia Vermelha, esses jovens contavam com dois poderosos elementos de coesão social: a mentalidade "cientificista" predominante na cultura escolar e a valorização do mérito pessoal. Esses elementos culturais informaram a ação política que levou ao fim da monarquia e à instauração de um regime republicano no Brasil.
A supervalorização da ciência, ou "cientificismo", expressava-se na própria maneira pela qual os alunos se referiam informalmente à Escola Militar - "Tabernáculo da Ciência" -, deixando desde logo evidente a alta estima que tinham pelo estudo científico. É importante observar que a Escola Militar foi durante muito tempo a única escola de engenharia do Império. Como a Escola Militar não era passagem obrigatória para a ascensão na carreira militar, havia um fosso entre os oficiais nela formados e o restante (a maioria) da oficialidade do Exército, sem estudos superiores, mais ligado à vida na caserna, com a tropa.
Por outro lado, durante todo o Império, foi clara a hegemonia dos bacharéis em direito no interior da elite. Enquanto o status social dos militares era baixo, os jovens bacharéis tinham caminho aberto para cargos e funções públicas em todos os quadros administrativos e políticos do país. Os jovens "científicos" do Exército tinham que lutar para situar-se melhor dentro de uma sociedade dominada pelos bacharéis.
O republicanismo da "mocidade militar" era oriundo da valorização simbólica do mérito individual somada à cultura cientificista hegemônica entre os alunos e jovens oficiais. A "mocidade militar" era francamente republicana desde muito antes da "Questão Militar" de 1886-1887, geralmente considerada um marco da radicalização política dos militares ao final do Império. A partir de 1878, alunos da Escola Militar criaram clubes secretos republicanos e, em diversas ocasiões, cantaram ou tentaram cantar, desafiando seus superiores, a Marseillaise, o hino revolucionário francês. É notável o radicalismo de sua atuação e o fato de que, nos escritos e nas memórias dos jovens "científicos", não apareçam referências a professores ou políticos convertendo-os ao republicanismo. As referências a esse respeito levam sempre a livros por eles adquiridos e devorados e, principalmente, à influência de outros jovens "científicos" agrupados em associações e clubes de alunos.
Entre a "mocidade militar" não havia clareza a respeito de como a República vindoura seria organizada. Parece ter sido suficiente saber que se tratava da única forma "científica" de governo, aquela onde reinaria o mérito, ordenador de toda a vida social. A falta de definição a respeito de como seria a República facilitou, por um lado, a unidade de pensamento e ação da "mocidade militar" antes do golpe de 1889; por outro lado, ajudou a apressar sua fragmentação tão logo a República foi instituída.
Foi com esse espírito "científico" e republicano que a "mocidade militar" participou ativamente da conspiração que levou ao fim da monarquia no Brasil. Nesse processo, esses jovens conseguiram atrair alguns oficiais não politizados - como Benjamin Constant - e outros de perfil mais troupier, como Deodoro. Apesar de poucos, esses oficiais mais graduados foram importantes para passar à Nação e ao Exército a idéia de que representavam a "classe militar".
Fontes:
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC)-FGV, em 12/11/2010, Wikipédia, em 12/11/2010.
Um comentário:
ola. estive por aqui. muito interessante. apareça por lá. abraços.
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