20 de abr. de 2008

Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – o que fazer com nossa memória?

Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – o que fazer com nossa memória?

O ser humano sempre sentiu necessidade de registrar sua passagem pela Terra, em vários suportes – pedra, barro, papiro, papel, couro e outros. Exemplos ainda existentes são as pinturas rupestres, as inscrições em monólitos – estelas, em livros e em tantos outros. Talvez seja a consciência de sua mortalidade, de sua frágil condição humana que o impele a registrar sua existência, seus feitos, suas proezas, seus medos, suas incoerências.

Para tanto são criados e mantidos Arquivos, Museus, Bibliotecas, que se convertem, por excelência, na fonte de nossa memória mediata e imediata. Porém, infelizmente, o tempo se encarrega de destruir e apagar o que a memória humana não consegue mais lembrar ou então o que o indivíduo ou a sociedade não logram mais conservar.

O Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – AHRS é um desses repositórios de nossa memória. Ele foi constituído como uma subdivisão do Arquivo Público do Rio Grande do Sul (APERS), em 1906. No ano de 1925 foi anexado ao Museu Júlio de Castilhos, quando surgiu a denominação atual de Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul[1]. Seu desmembramento e instituição independente se deram apenas em 29 de janeiro de 1954. Atualmente, o AHRS está situado no Prédio do Memorial do RS, Rua Sete de Setembro, 1020 – 2º andar, sala 17, centro de Porto Alegre-RS, CEP: 90010-191, fone (51) 3227-0883 ou 3221-0825, e-mail: ahrs@cultura.rs.gov.br

A função primordial do AHRS é de guardar e conservar documentos históricos de origem pública e/ou privada acerca do surgimento fático e oficial do Estado do Rio Grande do Sul.

Seu acervo é formado por documentos organizados em, aproximadamente, 40 fundos temáticos, como, por exemplo: fundo de imigração, fundo de obras públicas, fundo consular etc. Cada fundo é composto por documentos avulsos ou em codices (livros encadernados manuscritos contendo cadastro/listagem de imigrantes, correspondências oficiais, registros de lotes e/ou prazos coloniais e outros). O acervo do AHRS é quantificado em sete quilômetros (7 km). Em relação à documentação referente à Imigração, chega-se ao total de 1.000 exemplares (entre avulsos e codices), dos quais mais de 50 codices foram declarados absolutamente indisponíveis por estarem em péssimo estado de conservação, conseqüentemente, inacessíveis à pesquisa. Outros documentos necessitam de intervenções parciais de restauro e conservação.

O quadro funcional do AHRS é reduzido, tendo: 2 historiógrafos, 3 funcionários públicos, 2 funcionários terceirizados, 6 estagiários e 2 funcionários nomeados em cargo em comissão (CC). A restauração da documentação é feita apenas pelos historiógrafos e cidadãos voluntários capacitados para esse ofício.

O Estado do Rio Grande do Sul, em virtude de crises orçamentárias consecutivas e históricas, dota o AHRS de pouca receita, haja vista, a quantidade de funcionários destinados a cumprir com a função primordial do AHRS – guardar e conservar seu acervo, ser diminuta. Ademais, a grande quantidade de documentos a espera de intervenções totais ou parciais de restauração é significativa, revelando por si só a premência da mobilização social – sociedade, iniciativa privada e pública – na recuperação do acervo sobre a constituição humana e social do Estado do Rio Grande do Sul.

A quantidade de codices a espera de restauro aumenta diariamente, mas o AHRS não dispõe de verba, nem de pessoal em quantidade suficiente para fazer frente a essa precária situação. Porém, há alternativas que podem ser soluções, principalmente, se houver o envolvimento direto da sociedade, iniciativa privada e instituições públicas.

A iniciativa privada aliada a instituições públicas e à sociedade podem reverter esse lastimável quadro. Na Europa e América do Norte é comum Bibliotecas, Museus, Arquivos e demais órgãos de cultura serem mantidos e subvencionados pela sociedade e instituições público-privadas, através de doações e/ou incentivos fiscais.

No Brasil, há várias leis de fomento ao mecenato, dentre elas a Lei nº 8.313/91 (Lei Rouanet), que prevê incentivos fiscais a pessoas físicas e jurídicas. O Estado do RS também dispõe da Lei Estadual nº 10.846/96 sobre compensações de até 75% do valor aplicado com o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) em projetos e investimentos voltados à cultura e sua preservação.

Empresas públicas ou privadas podem ter seu nome associado a instituições culturais e isso gera uma imagem positiva de respeito e envolvimento com o grupo social, no qual estão inseridas. Há, assim, uma propaganda afirmativa de comprometimento, valorização e respeito à cultura local. Em última análise, há, por parte dos consumidores locais, uma valorização e preferência a marcas e mercadorias produzidas por empresas comprometidas e engajadas.

Além disso, estabelecer convênios entre o AHRS e as Universidades resultará em proveito para ambos órgãos, pois oportunizará a experiência ao futuro profissional (estudante universitário), além de lhe agregar conhecimento prático e teórico de sua área. O AHRS, por seu turno, terá em seu quadro provisório de funcionários, estagiários qualificados e aptos a realizar as intervenções tão necessárias aos documentos, sempre sob orientação dos restauradores do arquivo. Não haverá vínculo empregatício entre o AHRS e os estagiários universitários, apenas a contratação sob a condição de aprendiz.

A restauração, digitalização e disponibilização em suporte eletrônico do Acervo do AHRS resultará na preservação da história da Imigração no Sul do Brasil, sua fácil acessibilidade e servirá, também, como referência de consulta e estudo para pesquisadores de todo o mundo. Democratiza o conhecimento e amplia novas perspectivas de estudos acadêmicos sobre o fenômeno universal da Imigração.

A documentação, por ora, é constituída de originais sem nenhum tipo de reprodução. O suporte papel é frágil e o tempo, pragas e manuseio irresponsável aceleraram o processo natural de deterioração dos exemplares.

A preservação do acervo do AHRS, iniciando pelo fundo de Imigração, o mais buscado pela comunidade e o mais danificado, é apenas o início para outros projetos futuros de recuperação e divulgação do conhecimento sobre a memória sócio-cultural do Estado do Rio Grande do Sul.

A participação ativa e positiva de toda a gama social – comunidade, iniciativa privada e instituições públicas – é a alternativa mais viável, senão a solução para a recuperação, preservação e divulgação dinâmica do Acervo do AHRS.

Garantir a perenidade desses documentos em outros suportes e disponibilizá-los significa garantir a preservação da História Universal da Imigração, ou seja, de nossa memória.

Elisandro José Migotto

Porto Alegre-RS

emigotto@hotmail.com



[1] Informação obtida no site da Secretaria de Estado da Cultura do RS, disponível em: http://www.cultura.rs.gov.br/principal.php?inc=arq_hist ; acessado em 12 de abril de 2008.

Nota do blog:

Infelizmente não consegui reproduzir as fotos tiradas pelo Elisandro, mas dá para comprovar o lastimável estado de muitos documentos ao vê-las.

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