6 de mai. de 2008

Entrevista com o poeta Zeh Gustavo

Entrevista exclusiva: Zeh Gustavo
Por Marcelo Barbosa, Áurea Alves e Celso Gomes

Zeh Gustavo é o heterônimo do poeta, critico, ficcionista e revisor de textos Gustavo Dumas, um jovem de 29 anos que já publicou quatro livros – e está lançando o quinto –, acumulou críticas favoráveis e recebeu prêmios literários. Os leitores deste site já conhecem um pouco de seu trabalho: ele é um de nossos colaboradores mais assíduos. Para o grande público, no entanto, seu nome ainda é relativamente desconhecido. No intuito de corrigir essa injustiça, o Algo a Dizer realizou a entrevista exclusiva a seguir, um resumo das opiniões do escritor sobre arte, cultura e política.

Algo a Dizer - Você é um cara novo, mas já tem vários livros publicados e alguns prêmios literários. Em resumo: tem estrada. Como foi o seu aprendizado de vida e arte até aqui?

Zeh Gustavo - Putz, foi dureza, viu?! Muita luta. A primeira batalha, por moradia e comida, acho que venci, fantasmas derrotados. O que me salvou foi a mistureba de algum bom estudo, uma dose bem servida de intuição e um baita cagaço da morte. A morte para mim é silenciamento, apagamento. E eu não queria morrer sem dizer nada. Daí que comecei a namorar cedo, a trabalhar cedo, a beber cedo, a escrever cedo. Ganhei um prêmio de redação com 15 anos, quando só lia coluna de esporte de jornal. Ah, lia também a parte de política, em época de eleição. Mais nada. Não sou de uma família de leitores. Minha geração também não é uma geração de leitores. Fui fazer Letras porque o curso era pouco concorrido e porque diziam que eu sabia escrever. Com 17 fui selecionado em um outro concurso e com isso publiquei meu primeiro texto em livro: o conto “Mito da origem do futebol”. Sobre o que mais eu poderia escrever?! (Risos.) No ano seguinte, outra premiação, com “O povo e o populacro”, uma novela. Tudo como Gustavo Dumas. Na época eu já achava esse nome meio empertigado. Todo esse material é hoje desconhecido, esgotado. Eu não entendia bem o que tava acontecendo. Depois a ficha caiu e, foi só me dar conta, minimamente, do que era essa tal de literatura que parei imediatamente de ganhar prêmios! (Risos.) Mas comecei efetivamente a escrever com uma certa noção. E me ferrei! Já o codinome Zeh veio me restituir a criança faceira e o inventor farsesco que eu sufocara nas criações do Dumas.

Algo a Dizer - Que escritores influenciaram e (influenciam) o seu trabalho?

Zeh Gustavo - Mais para o início de minha formação, Rosa, Machado, Lima, João Cabral, Nelson Rodrigues, Mário e Oswald. Mais adiante, Manoel de Barros, Noll, Nassar, João Antônio, Saramago, Hilda Hilst, Leminski. Recentemente, uma confraria louca que inclui Debord e Bukowski, Chico Doido de Caicó e Tonico Mercador, Chamie e Antônio Fraga, Simões Lopes Neto e Raul Bopp. Além de endemicamente indiferente ao cânone, meu universo de referências é híbrido, desordenado e avesso às prescrições do que seria recomendável para o que chamam de uma boa formação literária.

Algo a Dizer - A internet possibilitou a divulgação de trabalhos literários que sequer chegaram a ser lidos por editores e que, independente da qualidade, atingiram públicos maiores do que aqueles que atingiriam se publicados em papel. Em meio a tantos textos publicados, seu trabalho pode ser enquadrado como a expressão elaborada desse fenômeno?

Zeh Gustavo - Não sei. Raramente publico ou envio poemas pela internet. Infelizmente, a facilidade de publicação acabou em parte com a publicidade. Há um surto de poetas! Há mais poetas que poesias. Há mais poetas que gentes! E, claro, há infinitamente mais poetas que leitores de poesia, porque a maioria desses ditos poetas são uns tapados, não lêem quase nada, querem só expressar seus tormentos e verdades de fast food. O poeta de internet é uma versão empobrecida do tradicional filósofo de botequim! Sendo assim, uso a internet para divulgar meu trabalho como um todo. Não costumo partir da poesia justo para que aqueles que têm acesso ao meu trabalho na internet cheguem um dia até a minha poesia.

Algo a Dizer - A sua cidadania é muito ativa nos movimentos sociais. Você não tem medo de que esse engajamento produza alguma forma de “controle do imaginário” sobre o seu trabalho? Enfim, você acha possível conciliar militância política e expressão artística?

Zeh Gustavo - Talvez conciliação não seja o termo mais apropriado. Há uma interseção constante entre meu eu autor e meu eu político. Não preciso mais distanciá-los e só faço emprego dessa barreira para lidar, na política, com quem não entende de literatura e, na literatura, com quem não entende de política. Mas, para isso, compreendi relativamente rápido que as linguagens são distintas, em si. O curso de Letras me muniu deste sentimento, fundamental, de que cada linguagem é uma. Por isso não faço panfleto quando escrevo poesia e nem poesia quando solto um panfleto sindical, embora em ambos os textos possam ser encontradas características minhas como o sarcasmo, a ironia e uma certa exploração das contradições dos discursos do poder hegemônico, por exemplo.

Algo a Dizer - E o papel da crítica? Você, aliás, é crítico de cinema e música popular, não é?

Zeh Gustavo - Não sou. O Dumas é que é! (Risos.) O papel da crítica hoje é um papel de militância, de intromissão num cenário cultural que em termos de opinião é opaco. Muito do lugar da crítica se perdeu por conta do oportunismo democratista de dizerem que tudo é válido, cada um tem seu gosto etc. Gostos são construções coletivas, pertencem a um imaginário público, provêm de uma memória social. Negligencia-se esta memória, pasteuriza-se o gosto e o que resta ao imaginário? Adorar imbecis ou espertalhões que precisam muito ganhar muito dinheiro e serem muito famosos. O que dizer da intensidade interpretativa de uma figura como Ana Carolina? E da belezura das letras e melodias do amável Jorge Vercilo? E do lirismo arrebatador da prosa de Paulo Coelho? Se a crítica não estivesse tão esvaziada, esses caras não seriam nada!

Algo a Dizer - Vivemos um mundo onde a palavra se acha acossada pela imagem o tempo todo. Com essa presença que o cinema e a TV assumem, como você enxerga o futuro da literatura?

Zeh Gustavo - O futuro da literatura vai depender de o quanto os seus praticantes assumirem a literatura como uma linguagem de essência própria, com potencial único, intransferível. A literatura é, basicamente, palavra. E palavra trabalhada. Não se trata de cair numa visão purista, mas me parece certo que a literatura não deve deixar-se domar por uma ânsia de aceitação. O primeiro passo para não se obter aceitação é justamente ficar pedindo penico! A literatura enfrenta uma prova de resistência: não sucumbiu ao espetáculo e impõe-se hoje como uma trincheira para a qual a intelectualada que se define como progressista deveria voltar mais os olhos.

Algo a Dizer - A intelectualidade, de certa forma, está dividida entre duas posições políticas: o apoio crítico ao governo Lula e a oposição. Qual a tua posição nesse Fla-Flu?

Zeh Gustavo - Sou Flu! (Risos.) Se não me deixei levar pelo apelo de mídia na hora de escolher meu time, não seria agora que deixaria que a propaganda da imprensa liberal me fizesse a cabeça. Sou Lula até o fim de seu segundo mandato. Mas que não me venham com um terceiro! (Risos.)

Algo a Dizer - Subverter a linguagem é necessário ao processo de criação, neste momento histórico?

Zeh Gustavo - Eu diria que subverter a linguagem dominante sempre é necessário para um fazer literário vivo, em qualquer momento histórico.

Algo a Dizer - Na periferia de São Paulo há grupos de poetas, muitos ligados ao hip-hop, outros ligados ao samba. Você já manteve contato com esses grupos, como o Samba da Vela?

Zeh Gustavo - Olha, não acredito nessa coisa de grupos de poetas, quanto menos no hip-hop como manifestação poética. Existe pouca vida inteligente nos grupos de poetas que se apresentam como tais, e muito mais mensagem que arte em movimentos socioculturais como o hip-hop. O samba, sim, nutre uma busca histórica por um lirismo que eu ousaria classificar como um lirismo com corte de classe. Ainda assim, muito dessa busca já se perdeu. Meu contato é sempre mais com os sambistas do que com os literatos, pois destes eu conheço poucos com quem eu consiga me entender a ponto de tragar alguns copos sem que eles me encham o saco, com aquele ar pretensioso de gênio fudido que escritores têm. Literatos costumam ser um poço de conhecimentos mortos, e eu não gosto nem do cheiro nem da carinha da morte! Ah, sim... sobre a periferia de Sampa. Meus, conheci a rapaziada do Terreiro Grande num rodão lá na comunidade do Morro da Pedra, e isto acabou rendendo subsídios emocionais para um texto do Dumas publicado aqui no Algo.

Algo a Dizer - Como você vê a poesia hoje?

Zeh Gustavo - A poesia hoje é um instrumento de luta, luta criativa contra o utilitarismo reinante, e também uma possibilidade de intervenção discursiva à margem das mensagens onipresentes do estatuto do poder supermercadológico. Há bons poetas surgindo, porém os poucos poetas jovens que chegam às grandes editoras fazem o jogo do poder: não incomodam em nada! Depois do crítico chapa-branca, chegou a vez do poeta chapa-branca, espécie de pelego que serve para justificar os atos do patrão, que pode bradar a quem o acusar de boicotar a literatura: “tá vendo, nós publicamos até mesmo poesia, que não vende...”.

Algo a Dizer - O seu novo livro de poesia já tem lançamentos marcados em diversas capitais. Como é esse novo trabalho?

Zeh Gustavo - O título do livro, “A Perspectiva do Quase”, dá uma dica do que o leitor irá encontrar: um elogio a tudo aquilo que escapou de prestar para produto acabado, para discurso marqueteiro, para alvo de consumo em massa. A condição de “quase” foi eleita para significar o estágio anterior dos bens, principalmente dos bens imateriais, o estágio de bens com valor pré-mercadológico. Ou supramercadológico, em alguns casos. Personagens como Sebastião Ruína e João-Faz-Escuro portam uma esperança de transformação da perspectiva geral embrutecida e amesquinhada. O resto é só ler o livreco, né não?!

Confira a agenda do lançamento nacional de “A Perspectiva do Quase” (Arte Paubrasil, 2008), de Zeh Gustavo

São Paulo:
Livraria da Vila – Fradique Coutinho 27 de abril – domingo – 15h R. Fradique Coutinho, 915 – Vila Madalena Tel.: (11) 3814-5811

Rio de Janeiro:
Bar Coisas do Interior 6 de maio – terça-feira – 19h30min Av. Voluntários da Pátria, 46 – Botafogo Tel.: (21) 2537-2857
Cesta Cultural no Sindpd-RJ: 9 de maio – sexta-feira – 20h Av. Presidente Vargas, 502/13o andar – Centro Tel.: (21) 2516-2620

Belo Horizonte: Cartola Bar 25 de maio – domingo – 20h R. Vila Rica, 1168 – Caiçara Tel.: (31) 3464-9778 Curitiba: Wonka Bar 28 de maio – quarta-feira – 22h R. Trajano Reis, 326 – São Francisco Tel.: (41) 3026-6272

mailto:contato@algoadizer.com.br

Entrevista publicada sob autorização de Kadu Machado, do Algo a Dizer - http://www.algoadizer.com.br/

Nenhum comentário: